A verve social da poesia de João Cabral de Melo Neto mostr...

A verve social da poesia de João Cabral de Melo Neto mostra-se mais evidente nos versos:...

VUNESP - Literatura - 2018 - Vestibular

A verve social da poesia de João Cabral de Melo Neto mostra-se mais evidente nos versos:

A)

A cana cortada é uma foice.

Cortada num ângulo agudo,

ganha o gume afiado da foice

que a corta em foice, um dar-se mútuo.

Menino, o gume de uma cana

cortou-me ao quase de cegar-me,

e uma cicatriz, que não guardo,

soube dentro de mim guardar-se.



B)

Formas primitivas fecham os olhos

escafandros ocultam luzes frias;

invisíveis na superfície pálpebras

não batem.

Friorentos corremos ao sol gelado

de teu país de mina onde guardas

o alimento a química o enxofre

da noite.



C)

No espaço jornal

a sombra come a laranja,

a laranja se atira no rio,

não é um rio, é o mar

que transborda de meu olho.

No espaço jornal

nascendo do relógio

vejo mãos, não palavras,

sonho alta noite a mulher

tenho a mulher e o peixe.



D)

Os sonhos cobrem-se de pó.

Um último esforço de concentração

morre no meu peito de homem enforcado.

Tenho no meu quarto manequins corcundas

onde me reproduzo

e me contemplo em silêncio.



E)

O mar soprava sinos

os sinos secavam as flores

as flores eram cabeças de santos.

Minha memória cheia de palavras

meus pensamentos procurando fantasmas

meus pesadelos atrasados de muitas noites.



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