Cantiga de enganar (...) O mundo não tem sentido. O mundo...

Cantiga de enganar (...) O mundo não tem sentido. O mundo e suas canções de timbre mais comovido estão calados, e a fala que de uma para outra sala ouv...

FUVEST - Português - 2019 - Vestibular - Primeira Fase

Cantiga de enganar

(...)

O mundo não tem sentido.

O mundo e suas canções

de timbre mais comovido

estão calados, e a fala

que de uma para outra sala

ouvimos em certo instante

é silêncio que faz eco

e que volta a ser silêncio

no negrume circundante.

Silêncio: que quer dizer?

Que diz a boca do mundo?

Meu bem, o mundo é fechado,

se não for antes vazio.

O mundo é talvez: e é só.

Talvez nem seja talvez.

O mundo não vale a pena,

mas a pena não existe.

Meu bem, façamos de conta.

De sofrer e de olvidar,

de lembrar e de fruir,

de escolher nossas lembranças

e revertê‐las, acaso

se lembrem demais em nós.

Façamos, meu bem, de conta

– mas a conta não existe –

que é tudo como se fosse,

ou que, se fora, não era.

(...)

Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma.


Em Claro Enigma, a ideia de engano surge sob a perspectiva do sujeito maduro, já afastado das ilusões, como se lê no verso‐síntese “Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.” (“Legado”). O excerto de “Cantiga de enganar” apresenta a relação do eu com o mundo mediada

A) pela música, que ressoa em canções líricas.

B) pela cor, brilhante na claridade solar.

C) pela afirmação de valores sólidos.

D) pela memória, que corre fluida no tempo.

E) pelo despropósito de um faz‐de‐conta.

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